As fotos de satélites e as imagens aéreas do vazamento de petróleo no
litoral do Rio de Janeiro rodaram o mundo. Mas elas ainda não mostram
toda a dimensão do problema. Até a última quinta-feira, a Agência
Nacional de Petróleo (ANP) estimava que, desde o dia 7 de setembro,
cerca de 400.000 litros tinham vazado da plataforma da Chevron do Campo
do Frade, na Bacia de Campos. Um volume pequeno se comparado a outros
casos, nacionais e internacionais. Mas o suficiente para revelar que o
Brasil não está preparado para enfrentar esses acidentes.
E é isso o que mais preocupa agora. Em alguns anos, o pré-sal vai
multiplicar as operações de exploração e produção no mar. Há uma década,
os negócios com petróleo no Brasil movimentavam 2% do Produto Interno
Bruto (PIB). Hoje movimentam 12%. Até 2019, estima-se que a produção
nacional de petróleo mais que dobre. As novas explorações serão mais
complexas, em águas ainda mais profundas e mais distantes do continente.
Para minimizar os riscos e conter futuros vazamentos, várias mudanças
serão necessárias, a partir das lições do acidente da Chevron. Eis as
mais importantes:
Definir as responsabilidades dos órgãos reguladores
Como é hoje - Não existe um plano de ação que defina
o papel dos órgãos envolvidos: ANP, Ibama, Marinha, Ministério da
Justiça e governos dos Estados produtores. Os papéis foram definidos em
2000 por um projeto, o Plano Nacional de Contingência (PNC), feito em
conjunto pelos ministérios do Meio Ambiente, de Minas e Energia, da
Pesca e da Justiça. Mas o plano nunca foi regulamentado. Sem essas
normas, os órgãos envolvidos ficam sem rumo.
Como deve ser - O primeiro passo é determinar quem é
responsável por cada parte das atribuições, nos mais variados cenários.
Os Estados Unidos e o Canadá têm planos assim. Argentina e Venezuela
também. Pelo plano da Argentina, a Prefectura Naval, guarda costeira de
lá, é a responsável pela coordenação da ação de emergência. Todos os
outros órgãos se reportam a ela. Qualquer aviso de contaminação,
potencial ou real, vai para a Prefectura Naval. Isso facilita o
monitoramento pelos órgãos públicos e também por entidades
independentes, como universidades e ONGs. E reduz as chances de as
empresas de petróleo se esquivarem. No Canadá, a responsável pelas
respostas às emergências no mar, segundo o PNC vigente, é a Guarda
Costeira. Ela realiza exercícios de simulação de acidentes regularmente,
envolvendo as empresas e as comunidades.
Garantir que a empresa está preparada
Como é hoje - As empresas são obrigadas a apresentar
ao Ibama equipamentos e planos mostrando que têm tecnologia e pessoal
para casos de acidente. Esses programas de contingência são chamados de
Planos de Emergência Individuais (PEIs). Só com anuência do Ibama as
empresas recebem as licenças para atuar. Mas, uma vez apresentados os
PEIs, não há fiscalização para averiguar se a empresa atualizou os
equipamentos ou manteve os treinamentos.
Como deve ser - A apresentação do plano de
emergência não dispensa o monitoramento frequente. A empresa pode ter
listado em seu plano um navio para conter vazamentos de óleo. Mas esse
navio pode ter sido deslocado para outra área ou mesmo outro país. O
plano da empresa precisa ser conferido regularmente. E ela também
precisa realizar simulações de acidentes onde atua.
Obrigar as empresas a agir em conjunto
Como é hoje - Segundo um decreto de 2003, as
empresas de petróleo que atuam numa mesma área devem ter um plano de
emergência conjunto. Em caso de vazamento, as empresas vizinhas devem
emprestar equipamentos e pessoal treinado. É o Plano de Área. Na
prática, ele não é feito. "Não se ouve falar deles, em nenhum aspecto",
diz a engenheira química Alessandra Magrini, da Coordenação dos
Programas de Pós-Graduação em Engenharia (Coppe) da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). "Não há qualquer estratégia de atuação em
conjunto."
Como deve ser - Planos de Área precisam ser
cobrados, em troca da licença ambiental, da mesma forma que os PEIs.
Esses planos podem incluir até colaboração entre empresas de países
vizinhos. Argentina e Uruguai têm acordos para atuação conjunta, assim
como Estados Unidos e Canadá.
Vigiar o tempo todo
Como é hoje - As atividades de prospecção e
exploração são realizadas por várias empresas, em áreas longe do
litoral, e pouco frequentadas por algum agente independente, como
pescador, pesquisador ou barco de turismo, que possa dar um alarme. O
Brasil também não tem um sistema para monitorar dia a dia as atividades
petrolíferas na costa. Os funcionários dos órgãos reguladores dependem
muitas vezes das próprias empresas para ficar sabendo dos acidentes em
alto-mar.
Como deve ser - O Brasil poderia desenvolver um
sistema de monitoramento do petróleo equivalente ao que existe para
acompanhar queimadas e desmatamento na Amazônia. Esse sistema foi criado
pela Embrapa e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais usando os
mesmos satélites que forneceram as imagens do vazamento da Chevron.
Outra estratégia é destacar fiscais para residir em plataformas e navios
de produção de petróleo. Algo semelhante ao que ocorre nas usinas
nucleares de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. "Também é preciso haver
uma sala de controle de poluição por óleo, que centralize esses dados",
diz a procuradora Telma Malheiros, que implantou e chefiou por quatro
anos a coordenação de óleo e gás do Ibama, responsável pelo
licenciamento ambiental no setor.
É o que fazem outros países. Na Alemanha, as 450 plataformas de
produção são monitoradas por aviões que fotografam 15.000 quilômetros
quadrados do Mar do Norte por dia. O governo também analisa imagens de
satélite, atualizadas três vezes por semana. Na Noruega, uma agência
governamental, a Autoridade de Controle de Poluição, usa imagens de
satélite. Ela tem tecnologia capaz de identificar mesmo as manchas
pequenas, com apenas 100 metros de largura. O Canadá, com a maior costa
do mundo, combina patrulhas aéreas e marítimas para coibir
irregularidades.
Historicamente, os avanços em prevenção só vieram depois de grandes
catástrofes ambientais. Foi o caso do naufrágio do petroleiro Exxon
Valdez, em 1989, que encalhou na costa do Alasca e espalhou 43 milhões
de litros de petróleo por 28.000 quilômetros quadrados de mar. A fauna
da região, incluindo aves, focas e leões-marinhos, foi dizimada. O caso
mostrou as falhas nos planos de emergência dos Estados Unidos. Depois do
acidente, a Agência de Proteção Ambiental americana criou um cronograma
para que os petroleiros adotassem o casco duplo, que reduz as chances
de um vazamento num tanque do navio chegar ao mar. As empresas também
foram obrigadas a usar rebocadores para guiar os petroleiros pelos
estreitos do Alasca.
No ano passado, a pressão por regras mais rígidas aumentou com o
acidente da BP no Golfo do México. O governo americano foi acusado de
lentidão e má gestão dos esforços para conter a mancha. O presidente
Barack Obama admitiu que errou ao permitir que o setor se
autorregulamentasse e cancelou uma nova prospecção na região. O Brasil
também aprendeu alguma coisa com acidentes. Em 2000, uma falha em uma
das tubulações da Refinaria Duque de Caxias, da Petrobras, causou o
derramamento de 4 milhões de litros de óleo na Baía de Guanabara. O
acidente poluiu praias, provocou a morte de animais e causou prejuízos à
população que vivia da pesca. Mas também inaugurou uma nova fase de
investimentos da empresa em prevenção. Depois dele, a Petrobras instalou
centros de defesa ambiental no país, que funcionam com pessoal de
prontidão dia e noite, com barcos, balsas, recolhedores e milhares de
metros de barreiras de absorção e contenção de óleo.
Nada disso é garantia de segurança total. A exploração em águas
profundas, no limite do alcance e do conhecimento humano, é sempre
arriscada. O pior cenário para um acidente é o que houve no Golfo do
México, quando a boca do poço estourou a 1.500 metros de profundidade, e
o petróleo ficou jorrando no mar descontroladamente. Não havia
tecnologia para conter o vazamento. A BP levou três meses de tentativas e
erros até conseguir montar uma caixa de concreto, do tamanho de um
prédio de três andares, com 40 toneladas, que finalmente tampou o poço.
Se algo semelhante acontecer aqui, a empresa responsável precisará de um
recurso semelhante, que não está disponível agora.
"Nem o Brasil nem o mundo estão preparados para estancar algo daquele
volume rapidamente", diz Segen Estefan, diretor de tecnologia e
inovação da Coppe. Segundo ele, o país poderia ter capacidade para
construir um tampão parecido em alguns dias. "Não se pode ficar
desmaiando toda hora que surge um vazamento, porque é impossível
evitá-lo", diz. "O importante é saber o que fazer para minimizar os
danos."
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